quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O Relógio e Ele

Crepúsculo. Decerto que era crepúsculo, só podia ser – o céu tomou cores diferentes, laranjas, vermelhos, rosas… e começava a sentir-se um frio morno, mas apetecível ao mesmo tempo, descreveria como tentador e fazia-nos querer ficar ali mais algum tempo. A eternidade. Seria possível?
Comecei simplesmente a olhar para o relógio, não um relógio normal, o relógio dele. Estávamos nós ali, num local deserto mas encantado. Não sei explicar. A água no qual estávamos debruçados reflectia o constrangimento assente nas nossas almas. O estrato de madeira onde nos sentámos estava pingado, era desconfortável e frio mas era o que tínhamos, contentei-me.
Não olhei para o relógio dele porque queria despachar aquilo, não! Olhei porque aquele objecto era um bocado dele, transmitia um pouco sobre ele e sempre era melhor olhar para um relógio do que para os olhos e começar a perder forças. Não, nem pensar! Tinha de olhar para o relógio, era mais fácil, conseguiria resistir por mais tempo. Talvez durante todo o tempo que estivéssemos juntos. Não quero que ele entenda mal o facto de não o conseguir encarar de frente, sou fraca. Admito.

- E agora?

Disse ele.
Agora não sei, como hei eu de saber se estou pior que tu? Ainda mais confusa, ainda mais apaixonada, ou talvez ainda mais cega. Não vez? Nem para ti consigo olhar de frente, e ainda me perguntas “ E agora?” .

“ E agora o tanas, não sei o que fazer contigo. Não me consigo afastar. Talvez tenha algum problema, alguma doença. Tu és a razão desta causa, devia odiar-te profundamente mas acho que sinto o contrário. Aquele tão profundo contrário que dizem estar ao lado do amor. Estar ao lado nada! O que está ao lado é uma boa sova de problemas e tudo porque me desleixei e me deixei levar. Não me perguntes o que fazer agora, já estamos a fazer o que devia ser feito.”

Pensei. E queria dizê-lo mas da minha boca só saiu um “não sei” impossível de se ouvir e não sei onde fui arranjar forças mas acho que ainda consegui encolher os ombros, dificilmente, mas consegui. Talvez tenha sido a melhor resposta.

- Queria ir-me embora agora. Tenho muito que fazer. Mas não consigo. O melhor era nunca mais nos vermos não era?

Choque. Sim, foi isso que senti. Choque.
Eu quero continuar a vê-lo por mais que saiba que não é bom, quero continuar a fazê-lo. O perigo alicia-me e saber que isto não é uma relação correcta ainda mais.
Mas no que me estou a tornar? Eu nunca pensaria isto. O que faço com ele não é bom, é demasiado viciante, demasiado arriscado. Se estivesse ciente do que digo provavelmente diria que é o mais correcto, não nos vermos mais, afastarmo-nos. Mas eu não quero. Não! Se me fizerem isso faço pior. Muito pior! Querem que isso aconteça? Não mo tirem. Sei que não fomos destinados a ficar juntos, ao menos deixem-me desfrutar dos poucos momentos em que sou feliz.
Continuei a olhar para o relógio. Comecei a pensar que se calhar também nunca mais o iria ver. Eu gosto dele, é bonito – grande, vistoso, tentador – tal como o seu dono. Se calhar é a realidade. Não o vou ver mais. A nenhum dos dois. Não pode ser! As últimas palavras que ele me disse ecoavam na minha cabeça insistindo em permanecerem para me atormentarem.

- (Chorei)

- Não resulta. E as nossas vidas para além disto? E a tua vida para além de mim?

É verdade. Tenho uma vida para além dele. Uma vida morta, sem animação. Sem graça. Não quero essa vida, a minha vida é ele. A minha verdadeira vida.

“ E se eu abdicar dela?....”

Pensei. No fundo acho que ele percebeu que queria dizer isso porque chegou ao pé de mim e beijou-me, não um beijo normal - não vou dizer que foi intenso ou caloroso, nem que foi alarmante ou doloroso – foi um daqueles que deixa saudades, um daqueles que sabemos que são de despedida e que ficam sempre a deixar um sabor de “quero mais”. Mas este tinha de ser bem aproveitado, era o último. O pior de todos, aquele em que nos apercebemos que verdadeiramente gostamos daquela pessoa e que agora que parte vamos sentir isso melhor que nunca.
Toquei ao mesmo tempo no seu relógio, queria ter uma lembrança de ambos. Ficariam os dois na minha memória para sempre. Ainda que seja uma memória dolorosa, quero recordá-los.
Comecei a pensar na minha vida, em ambas as vidas – tínhamos os dois um emprego, família, uma casa. Pena nada disto dar cor às nossas vidas. No final de contas, sabíamos que a partir de hoje tinham de dar, iria ser a única coisa que restava.   

Noite. O nosso momento tinha passado. O céu tomou outras cores – preto. Dava a sensação de uma nova era em que esta cor reinava, gloriosa – destemida. Não víamos estrelas. Sentíamos uma brisa forte a bater nas nossas caras. Era o fim.

“ Só mais um pouco.”

Pensei.
Ele olhou para o seu relógio decidido a terminar uma etapa. Por momentos desejei ser tão forte como ele.

- Está na hora.                      

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