domingo, 24 de junho de 2012

Hesita



 Hesita,
Por um momento
- Hesita-me.

Dá-me tempo para refletir,
 Tempo para entornar
- Que esse teu desistir
É reflexo desse relógio
Que não mais quer parar.

E essas palavras que escondes?
Que eu odeio que escorram
Pela minha expressão acatada,
Onde já nada te deve
Nem pela sorte abandonada.

Se desse o mundo um dia melhor
Ao hesitar que é só teu,
Sugariam as palavras
A esse arrependimento
Que é só meu.

Então hesita,
Durante esse tempo oco
Desiste de mim,
Que esse amor soa tão pouco
Para tão grande fim.

Hesita,
Por um momento
- Hesita-me.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fazes-me falta


 Tu sempre foste aquilo que pareceste, eu ia sendo aquilo que parecia. Julgava conseguir mudar o mundo e dava-te somente crédito para mudares de cenário.  Dizia-te que não tinha fé, e continuo a não ter. Esse teu Deus nunca me fez nenhum favor. Nunca fará. Tentava acorrentar-te ao meu pensamento e quase que por segundos deixaste de acreditar – como eu. Eu queria mais, tu querias menos – e foi isso que tanto nos aproximou e tanto nos afastou. Vivias em câmara lenta e eu vivia por relâmpagos, éramos e talvez ainda sejamos paradoxos ampliados pelos desejos e vertigens do corpo. Talvez há uns meses atrás o que te diria agora seria qualquer coisa como:

- Não acompanhas-te o meu rasto.

Mas sinceramente e agora que ninguém nos ouve – eu também nunca o deixei. Dissipou-se juntamente com o bater das ondas na falésia, junto aquele local onde tantas vezes mergulhámos. Meio frio, meio morto. Como eu e agora – como tu.

Sabes que nunca tive jeito para tocar a tua música madrugadora. E tu também nunca tiveste jeito para argumentar contra mim. Odiava e amava esse meu desprezo à tua voz, à tua melodia dançante enfestada de história e passados. Eu queria o futuro e tu o derradeiro silêncio das almas. Vivias por citações e eu por frases sem direito de autor. Agora caí em mim. Caí em ti. Já não jogas este meu jogo. Ainda chegaste a dizer “Xeque” e eu pergunto-me porque é que não acabaste? Porque desististe de mim e da vida?  

 Como me fazes tanta falta. Preciso de ti e da nossa controvérsia. Porra – a vida é injusta.

Dizias-me para rezar – então cá vai. Deus Omnipotente no qual eu não acredito, peço-te que mo tragas de novo, que sou eu que não tenho fé. Ou que lhe entornes a voz um pouco, que ela caia do precipício entre o céu e a terra e chegue até mim como alimento de cada dia. Ámen (ou o que quer que se diga).

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O Elogio da Ausência - excerto V



“Hoje vi-te. Hoje estivemos quase juntos. Hoje voltei mais uma vez a olhar-te, não de um jeito normal, mas daquele meu jeito. Hoje lembrei-te e ontem também e anteontem e há um mês, há dois, três, quatro, até zero. Até sempre, diria.

Hoje vi que me olhavas, assim de modo esguio como fazias sempre, e fazes, ainda hoje. Como agora. E pensas que não me importo, mas eu importo, e quero e preciso, e não devia e não gosto. Mas fazes e não te importas. Não queres saber se umas vezes estás cá e outras nem por sombras, nem por ruas sombrias e fúnebres, outras nem nunca. Que é mesmo um nunca.

Mas por qualquer razão, eu lembro-me de ti, lembro-me de ti nele. No reflexo, no sorriso, no olhar, nele. Em tudo. Em tudo és tu. Em tudo estás tu.

Quando atirou as pedras à água no rio Tamisa, quando chorou por tu não lá estares e mais uma hipótese da tua sobrevivência se ter desvanecido. Quando brinco com os seus cabelos encaracolados ou quando tenho de ir com a mão ao bolso pelo gelado que ele roubou ao senhor da gelataria. Quando me vejo aflita para o por a tomar banho ou quando damos as nossas grandes viagens de comboio, à tua procura, e ele com a cabeça sempre para fora do vidro, petrificado com toda a beleza que também tu não imaginavas existir.

Quando custa, quando choro, quando me perco, quando endoideço, quando me farto, quando tudo e mais uns quantos- Estás lá tu, ou ele, porque é igual e eu não sei distinguir. Não sei diferenciar. E dói – saber que ando à procura de uma coisa que eu já tenho, que sempre tive e que te tem a ti, mais do que eu já tive.

- Fala-me de mim, de como achas que sou – Diz-me ele, orgulhoso de ser quem é, do que faz e do que alcança.

E falar dele é falar de ti, falar de nós e da nossa história. Acabo a ver-te, como te vi hoje, como te vejo sempre, como te lembro e sempre lembrarei. Até sempre, digo eu. Até o que nos une partir.

Queria que desparecesses dele, mas não consigo, é impossível apagar de um filho os traços deixados pelo pai, aqueles jeitos que em tudo são teus. Que em tudo eu adoro.

Sempre, Margarida”

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Crescer



- É mesmo assim. Aguenta-te.

Disse-me aquele sujeito que nunca aguentou. Nem vai. Cobarde pessoa cujo nome não me lembro ou não quero lembrar, porque sei lá, acho melhor assim – aguentar, sozinha.

Sozinha, só - é melhor, se não é melhor é mais prudente e agora é tempo de dever alguma coisa à prudência que já anda a arrastar os meus sarilhos há demasiado tempo e odeio coisas que se arrastam. Agora odeio, só agora.

- Estás tão diferente.

Sim, só agora porque cresci. Dizem que cresci - porque eu não noto diferença. Pensando bem troquei as molas por elásticos e a televisão por livros, mas isso para mim não é crescer – somente trocar hábitos. Crescer é aceitar a prudência, renunciar a algumas coisas e prescindir de outras, é viver mais tentando menos, ou tentar mais vivendo menos, já nem sei.

A questão é que agora acarto as minhas consequências, porque dizem que já está na altura de o fazer. Então que tudo passe rápido, que os ventos soprem ferozmente e que os segundos corram em vez de andarem, que passe tudo tão rápido. Esse tudo que é a dor dos anos passarem, das ações terem penas que duram anos, às vezes perpétuas.

Ninguém está preparado para a dor, eu não estou, odiava estar e espero nunca estar. Porque quem está- cresceu. E acho que não quero crescer, não no sentido que todos esperam, não da forma que todos sonham, não dessa maneira solitária. Mas da minha. Porque da vossa quem cresce tenta mais e vive menos.

Eu não quero viver menos, mas sim aproveitar mais. É por isso que me aguento, como me dizem para aguentar. Primeiro sigo as pisadas de uns e depois faço só aquelas que eu posso dar. E isso é crescer, isso é mudar.