sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Frascos Vazios


Num momento em que pouco me restava em que pensar, decidi evacuar todas as minhas memórias num frasco. Guardei-o junto a um caixote em cima do meu armário dos livros. Estava preguiçosa naquele dia e portanto ali ele ficou, demasiado frágil e sujeito a todo o tipo de coisas.
Os dias passaram, e depois meses, anos…
Fui crescendo, esquecendo-me que tal frasco existia, iria lá eu lembrar-me com a vida ocupada que tinha, era uma miúda quando empacotei e organizei as minhas memórias, a verdade é que nunca mais fiz o mesmo… hoje sei que foi o meu erro, deitei fora uma oportunidade, fui preguiçosa mais uma vez. Mas de uma maneira ainda mais errada, não por ser desleixada, pior, por não ter feito nada, apenas cresci e não aprendi…
Ontem fui a casa dos meus pais, fui ajudar a minha mãe com as limpezas de Primavera como quando era criança. Ela já não está bem de saúde, o tempo vingou-se na sua cara e no seu corpo e ela nada pode fazer, nem eu, ninguém…
Estava exactamente a limpar o meu antigo quarto, cheio de tralha de quando andava na escola, ainda lá continuavam…como o tempo passou e eu não dei por isso, não organizei as ideias, apenas envelheci e nada aprendi. Tocava em cada uma das lembranças como algo que não tinha nunca experienciado, parecia que nunca as tinha visto…fiquei desiludida mas passei à frente.
 De repente tropecei, tropecei em algo que não sei bem o que era...estava sujo, poeirento, era feito de vidro. Era um frasco. Daquilo sim lembrava-me, aliás, era a única coisa que tinha salvação nas minhas memórias.
Hoje percebo porquê, percebo no que errei durante toda a minha vida. Hoje sou uma velha carrancuda mas com experiência, ontem fui uma jovem alegre e ambiciosa, amanhã serei um nada, um vazio, um vácuo, a memória de alguém dentro de um frasco de ideias empacotadas. Quero que o ontem, o hoje e o amanhã permaneçam comigo, quero levá-los para outro mundo, aquele que espero desde sempre. Foi-me proibida a entrada de frascos de vidro sem nada lá dentro. Mas é um nada recheado, um vazio completo, um vácuo com algo, percebam. São os meus frascos, os da minha outrora juventude, foi neles que depositei as memórias da minha melhor fase da vida, aquela em que ainda sabia crescer e aprender. Aquela em que conseguia ainda imaginar o que cada frasco tinha para me dar.
Posso ter feito as piores escolhas, mas agora no fim sei que não foram em vão, ao menos deixarei algo às minhas futuras gerações, os frascos vazios da avó velhota cheios de recordações…

Sem comentários:

Enviar um comentário

"Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido"