sábado, 26 de novembro de 2011

O Elogio da Ausência - excerto


"(...)Os olhos já não jorravam água, tinha feito tudo para os secar. E tudo fez. Ela sempre foi assim, sempre colocou em mãos algo mais do que a capacidade humana consegue, sempre esperou pelos ventos fortes que a derrubassem, e sem nenhum agasalho sempre os defrontou. Admirava em parte a sua força, que mais ninguém tinha, todas as peripécias pelas quais tinha passado eram para ela meros sinais de que ainda não  tinha alcançado a sua meta incrivelmente determinada.
 Para mim, e para todos os que com ela conviveram, tratava-se de injustiça, uma injustiça feita pelas próprias mãos e que andava pelos próprios pés. Nunca tinha visto nada assim, o terror dominava quem quer que visse o sofrimento dela. A minha memória ficará eternamente marcada pela sua presença através da coragem, inteligência e principalmente a sabedoria que mais ninguém possuía.  
“Não se preocupem, hoje é só mais um dia soalheiro.” – Costumava dizer. Era o tudo o que pronunciava para afogar as mágoas, umas vezes ainda ia ao mar refrescar-se, mas a escuridão nem sempre a permitia mergulhar livremente onde quer que fosse. Tornou-se cega, mas foi isso que a glorificou. E eu admiro-a acima de tudo por não ter pousado as mãos e descansado os braços quando o trabalho estava feito – para ela nunca nada ficava por fazer, nem que fosse ter de cantar a sua melodia diária, que de vez em quando, afastava aqueles cujo amor dela não cedia.(...)
Querida Margarida, estarás e continuarás sempre ligada ao meu mais profundo ser, no mais íntimo lugar guardado somente para ti no meu coração. E é essa vontade de seres quem és, a persistência que possuis em permanecer, o amor que em ti rejubila, que me faz e me obriga a esperar por alguém que seja apenas e unicamente tu.
Ontem quando estive a pensar decidi o que iria fazer, vou vaguear nesses ventos que tu sempre enfrentas e esperar que me confrontes. Só uma vez mais.

Sempre, Duarte."


Excerto do livro "O elogio da ausência" escrito por Sara Penas.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

São coisas


Há coisas que nos falam,
Que nos enfeitiçam
E comovem,
Coisas estranhas e belas
Que nos escapam
- Fogem.

Há coisas que nos tocam,
Que são melodias
Do esquecimento,
Coisas vulgares e discretas
- Imortais no pensamento.

Há coisas…
Que por serem meras coisas
Tornam-se importantes.
Seres poderosos
Que reinam sobre as memórias
- Divagantes.

Por momentos jurei coisas não possuir,
Mas há umas que nos destroem
- Coisas simples,
Vulgares,
Que corroem
E deixam sucumbir.

Se destruída eu me vejo,
Destruída eu estou.
Pois há coisas que me falam,
Me tocam.
E uma delas me contou.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O Infinito também se conta


- Já tentaste contá-las?

Era noite cerrada.
Uma noite como todas as outras noites. Estava deitada num suave manto de relva olhando para o céu, que era igual a todos os outros céus, de todas as outras noites. Achava aborrecido. Tão aborrecido. Ver sempre a mesma coisa. Só o conforto do local me prendia. Era o suficiente.

- Não, nunca. – Respondi.

Não percebi quem era. Não sabia porque tinha perguntado. Apenas respondi, como é habitual responder – sem conhecer, sem saber, sem nada. Sem um nada nós respondemos a tudo. Devia ser punido por lei não transformar palavras em sentimentos. Palavras sempre retratam momentos. Devia logo ter percebido.

- Nunca amas-te?

Acho que era um rapaz, que estava ao meu lado. Estava ali, a contar estrelas, desde que cheguei. Nem reparei na sua presença.

“Que passatempo tão enfadonho.” - Pensei.

- Amar? – disse, confusa.

Reparei que nem para me responder tirava os olhos do céu, a sua cara, apesar de não muito nítida, mostrava estar espantado e muito interessado naquilo que fazia.
Esperei resposta. Por durante uns dez minutos o silêncio reinou.

- Quem sente prevalece, quem chora padece, quem ama conta estrelas. É simples. Demasiado simples. E quem conta estrelas quer ter a certeza que estas são suficientes.

- Suficientes? – Perguntei intrigada.

- Sim, para brilharem intensamente. Quero saber que existem estrelas suficientes para quando me perder. Elas vão-me guiar até casa.

- E quantas já tens?

- Duas mãos cheias mais ou menos. Mais uma menos uma.

Achei piada à forma como falava. De um modo elegante e deveras tão crédulo.

- E chegam para não te perderes? – Perguntei.

- O problema é que nunca nada chega para nós. Vou amar, e vou-me perder. Por mais que conte. Mas prefiro saber que fiz tudo, que contei tudo o que podia e ainda mais um pouco.

Fiquei perplexa. Teria ele razão? Eu nunca contei estrelas. Deveria?
Levantou-se, parecia estar satisfeito com o trabalho daquela noite. Especulei sobre o que estaria ele a pensar.
Prosseguiu.

- Mais vale uma perda consciente do que aquela que foi em vão. E quem ama já conta estrelas a saber que vai perdê-las.


Nunca mais o vi. Nunca mais fui ao local onde falámos. Nunca mais me deitei sobre um manto de relva maciça. Mas contei estrelas. Conto. Ciente de que o amor é passageiro e as estrelas livres. Quem disse que a vida nos oferece o melhor sem antes pela excelência lutarmos.
Acho que vou guardar as mãos cheias que já contei, num frasco. Talvez não se percam. Mas como tudo – como todas as respostas, todos os sentimentos, todas as promessas - os frascos são de vidro. E o vidro quebra, mas sempre perdura.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Há Quem



Há quem passe e não veja passar,
Quem olhe e não queira olhar.
Há quem sinta um pouco sentir,
Vivendo uma existência
De humano a sucumbir.

Assim fugiu enquanto pode,
Doloroso por não viver
- Este coração penoso
Que viu sua vida sofrer.

Há quem se magoe para salvar,
Quem se afogue para por a boiar
Aquilo que vemos a padecer,
A reminiscência do amor
- Querendo sobreviver.

Há quem passe e venha ajudar,
Quem olhe e venha acudir.
Parece que sou a única
A querê-lo abandonar
- Este amor,
Cujo dever é partir.

domingo, 20 de novembro de 2011

Também precisamos de concerto


13h56m

Marquei as horas. Tenho de ter a certeza do momento.

Não é que já não acredite em mim, mas as coisas passam, deixamo-las navegarem para bem longe e elas perdem-se – já não nos têm para se orientarem. Eu tenho a noção, infelizmente, que sou eu que decido para onde as minhas histórias, os meus objectos, as minhas opiniões navegam. Sou a bússola que lhes indica o norte quando estão perdidas.

É por isso, talvez, que quando algo me escapa, me foge, me tiram, me roubam, eu não me importo. Ingenuamente espero que a bússola funcione e que voltem para mim.

É aí que começa o verdadeiro ciclo da vida, normalmente, a bússola está estragada – ou então, algo a faz desorientar-se também. Perco coisas, maravilhosas. Mas perdem-se e não voltam.
Tenho dias que fico à espera, horas em que desespero pela sua chegada a casa. Eu. Mas tenho semanas, meses, anos contados sem as ver.

Eu sei porque não voltam. Essas coisas, as que perdi, as que fugiram de mim – eram demasiado importantes, tinham demasiado significado dentro do meu pensamento. Quanto mais importância se dá, maior o poder. É por isso, acredito eu, que as coisas não voltam e a vida não retrocede. Uma explicação simples mas nefasta, chamo-lhe doença por ficarmos doloridos e cansados, cheios de febre – não a sentimos na testa, mas no coração.
O que perdemos desorienta a bússola, ela é frágil e sabe o que nos toca e encanta, demasiado sensível. Então ela avaria. Não as leva a casa. Não as leva a mim. E começa outro ciclo, outro ciclo da vida sem essas coisas que nos marcaram.

- Estás à espera de alguma coisa? - Disseram-me, um dia.

- Estou. Que me concertem.

Quem disse que tudo na Natureza é perfeito? Estou desorientada e os meus ponteiros não apontam para o norte.

- Que te concertem?

- Sim. Mas tem de ser algo que não me prenda. Também não posso arriscar-me a perder o meu remédio.

Cada um tem a sua bússola. Umas mais desorientadas que outras, mas todas com uma coisa em comum – estão a tentar levar algo a casa.
Continuo à espera. Vou marcar outra vez as horas. Quero ter a noção do tempo que perco a tentar-me concertar.

13h57m


( Dedicado à melhor pessoa do mundo, aquela que nunca irei perder )

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Gastei as palavras



Gastei a palavra amor, antes que o amor chegasse.

 E por entre os longos dedos da vida deixei-me deslizar, nada fiz. Acompanhei os movimentos do meu coração e obriguei a solidão a construir-me uma casa. Também escrevi cartas de amor, a quem não sabe ler. Cantaram-me músicas sem notas e sussurram-me sem falarem.
Gastei tudo antes de tempo. Gastei o sorriso, gastei as palavras. E se gasto as palavras - gasto tudo. Palavras inventam-se se for preciso e neste caso, eu desperdicei-as cedo.
O maior dos meus problemas não foi gastar, porque tudo se renova com o tempo e tudo cresce, tudo evolui.

 - Escrevi com tinta permanente.

Dei demasiadas luas a quem não merece um grão de terra. E ofereci um nada a quem o infinito ainda não chega.
Agora sei que a independência é um preço caro e ceifar um castigo justo.
E eu em nada disto vejo o meu maior arrependimento. Falta-me encontrá-lo. Esconde-se tão bem. É o meu herói. Ele sim vai ser o único a ensinar-me.
É melhor sentar-me, ele deve demorar a vir.
E é quando estou sentada que vejo tudo a acontecer. E tudo acontece. Tudo.
As palavras que estavam gastas ganham outro sentido ainda não procurado por ninguém, ou talvez, ainda não sentido por ninguém. Crio novos trilhos. Escrevo cartas, desta vez só para mim.

O amor veio ter comigo sem que tenha marcado encontro, e eu não estou preparada - nem tive tempo de me arranjar. Espero que goste de mim ao natural. Vou acreditar que o simples é melhor e a dúvida a nossa maior virtude.
Estou a pensar em levantar-me, mas corro o risco de acordar de um sonho. Achei melhor ficar sentada, só por enquanto. O medo ainda é muito e a minha escrita é tremida, mas eu sei que em ti encontro o selvagem, o inexplicável – a melodia.

Acredito que o meu maior erro será não ter escrito com tinta permanente.
Posso sempre depois passar por cima e ainda dar relevo ao mais importante.

Hoje gastei as palavras.
Não por as usar antes de tempo, mas por ter encontrado nelas o verdadeiro significado.

domingo, 13 de novembro de 2011

Aquela história de limites


- Onde estão os teus limites?

“Arrumados numa gaveta.”
Foi o que pensei. O que queria dizer, mas às vezes o nosso maior limite são as palavras. Desencorajei-me.

- Eu sei-os. Sabendo-os não preciso de os encontrar.

Mentira. Eu não sabia. Não sei. Nunca soube.
A minha definição de limite está um pouco rebuscada, talvez até seja antiga ou demasiado sincera para alguém crer nela. O nosso pensamento cria-nos limites inimagináveis, somos travados por uma força igual à de tempestades mas invisível como o ar.

Se calhar eles estão mesmo numa gaveta.

“Não. Impossível. Não pode.”

 A minha memória é demasiado desorganizada para eles estarem escondidos numa simples gaveta. Talvez estejam debaixo da minha cama feita de penas, de culpas, de sacrilégios que tantas pessoas tiveram o cuidado de me fazer.
Pensando bem, o meu armário está repleto de coisas que já não uso, que ficaram encurraladas no meu pensamento, inúteis, perdidas. Em tempos foram coisas grandes, que me deram felicidade. Fui obrigada a deixá-las envelhecer, por ali, a apanharem bolor e a cheirarem a mofo. Preferia tê-las feito desaparecer deste meu quarto pessoal que me acompanha diariamente, já não preciso delas, só ocupam espaço e ainda sofrem as minhas dores – essas memórias velhas. Acho que o problema é mesmo esse, serem velhas, recordarem a minha doce juventude. Talvez tenha sido por essa razão que permaneceram, não porque quis, não porque quiseram, mas porque era seu dever.
Os meus limites devem estar neste armário, só pode. Esconderam-se por debaixo das minhas roupas de infância, ou então nadam na ferida que fiz em pequena ao andar de bicicleta. Podem estar ao pé dos meus corações partidos, mas duvido.

- Encontraste-os?

- Acho que sim. – Respondi.

Estão bem assim, num lugar onde não os vejo. Esconderem-se não é necessário, aliás, prefiro que estejam bem à superfície da minha memória. Quero-os ao pé de mim. Não para os usar, para saber que mesmo conhecendo onde se encontram eu não me apoiarei neles.
Afinal de contas, o nosso maior limite são as palavras, e essas…oh essas são mágicas – estão sempre no nosso quarto, bem escondidas.

sábado, 12 de novembro de 2011

Cobarde Fogo


Cobarde fogo,
Sem chama que te valha
- És vergonha e medo
Em qualquer batalha.

Desobediente e imbecil,
És a morte de tantos,
E tantos por ti combateram
Só pela tua doença juvenil,
No qual todos arderam.

Tens cores ridículas
E ramagens obscuras,
Só a fama te salva
E é ela que te oferece
Essas perigosas aventuras.

Tu, que confundes
Os que não te entendem
E fazes sofrer os que te pretendem.
Fogo assaz e subtil,
Só de ti nasceram obras mil.

Se amor
“ É fogo que arde e não se vê”
Porque vejo todos a serem corroídos
Por uma chama tão viva
Que ate faz ruídos?

Se amor é chama cega
Deveria ao menos sentir o calor.
Mas este idiota a sucumbir
Prefere fingir a falta de visão ,
À falta de dor.