segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Laranjas do meu quintal

Gostava, por vezes, de recuar no tempo e voltar a ver as laranjas do meu quintal a caírem. Primeiro vê-las bonitas e radiantes à espera de serem apanhadas para um sumo fresco tão desejado pela manhã, optimistas de que naquele dia iriam servir a Humanidade, ou pelo menos uma comunidade de humanos desejosos de provarem a única coisa que elas podem oferecer.
Seria bom voltá-las a ver tão laranjas como nunca, lembro-me da cor sobressair aos olhos de quem quer que passasse, tendo eu a minha tenra idade de talvez 10 anos nunca associei a mais do que uma boa árvore de fruto ou talvez um ano de sorte para elas terem ficado assim, quase mágicas, encantando toda a gente a ponto de conseguirem fazer crescer um desejo tremendo de irmos ter com elas, simplesmente para observar a sua beleza que naqueles momentos parecia eterna. Só agora percebo que toda aquela beleza exterior era um alerta, talvez um sinal de socorro, elas necessitavam de ser úteis, não queriam provavelmente que a sua breve passagem pela Terra acabasse num chão lamacento ou áspero conforme o dia.
Agora questiono-me – estariam elas a lutar para que os seus últimos momentos na Terra fossem dedicados a nós, humanos, que nunca lhes demos nada senão um lugar na terra para se poderem criar? Estariam elas a usar o seu único e último recurso para nos atrair?
Acho que é uma pergunta sem solução…até porque nós ingratos não as utilizámos, não lhes demos o seu último prazer: darem-se por nós.
Hoje tenho pena de não as ter apanhado, apesar de tudo, a memória destas a caírem no chão ficou na minha cabeça e teima não desaparecer. Aquela queda de segundos pareceu-me horas dolorosas a caminho de um calvário. Não as ajudei, como espero eu que alguém me ajude se nem sinais de alerta dou e como elas sinto-me muda….
Faço desta história entediante e sem razão uma lição de vida, porque tal como estas laranjas a caírem de uma árvore, fartas de estarem presas a algo inútil e sem fins, fartas de verem que nada nem ninguém as ajudaria preferiram deixar este mundo caindo num chão duro, hostil para quem quer viver, frio para quem não teve ajuda.
Tomo estes pedaços de fruta que acabaram por não ser utilizado para esse fim como uma força que me ajudará mais tarde quando eu também precisar de me sentir útil, pois saberei que ficar muda e hirta será a última coisa que farei e aí sim, reclamarei as injúrias dos humanos e a sua sociedade em queda.
E agora, num último momento não posso deixar de me sentir heróica por ter conseguido tornar estas laranjas úteis pois são agora uma experiência de vida não humana utilizável aos humanos, quero acreditar neste momento que irão agora em paz pois acabaram de servir a sociedade como tanto queriam ou pelo menos como apontavam para tal.
Sei agora que do meu quintal mais nenhuma laranja cairá pois o seu encanto e a força que transmitem me farão pegá-las e torná-las úteis, nem que seja para um sumo natural logo pela manhã.

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