sexta-feira, 20 de julho de 2012

Recantos



Restos. Nesses cantos que pingam tristezas. Esses (re)cantos desajeitados, feitos demoras inúteis, esperas no tempo. Pedaços de vida adiados, escondidos nos cantos, escondidos da vista, escondidos dos modos. Refúgios secos, com lágrimas enxutas – meias loucas, meias fúteis. Salvações de quem não soube, como eu, de existir.

Lugares da sucata, do lixo que somos, da lixeira que fazemos. Lugares de cheiros, insípidos e tão pessoais, esgotos pestilentos feitos carne podre - memórias vitais.

Esses restos de nós, da nossa incomensurável insegurança sofregamente imprudente, trava-línguas da esperança que tanto se quer e não se ofende. Esconderijos da nossa falta de expressão, da ausência de pena – ausência de coração.

São grutas submersas, espelhadas de ganância – bugalhos de fúria caídos do céu, caídos da estância.

Estrume. Restos reciclados do que seremos. Reutilizáveis – as nossas queixas. Que é o que esta imunda casa guarda. Beco sem saída com toneladas de odores – fruto da história podre, desfeita, desusada dos nossos amores.

Num canto desencantado aqui jaz o nosso corpo – mouco – semente da esperança, da vida, do amor louco.  

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Saudade



Essa saudade já escorre com o tempo. E quando lhe falta lugar desce pelos olhos. Tem dias. Tem horas. Porque foram só umas horas que passaram. Poucos segundos. Há tão pouco se fez passado e já tanto me atormenta. Já tanto me alastra. Queima.

Ficou comigo o que não enterrei - debaixo da terra. Há coisas que não se enterram, simplesmente. Naquela altura até disse:

- Faz-se lembrança.

E quase que se fez. Quase foi um passado ténue. Mas nasceu a memória que me corrói – aleija, estraga. Transformou-me em destino sádico, viril, púdico.

Escavei-te a saudade. Foi o que foi. Foi o que deu na altura, o único pedaço de ti que podia ser só meu. Na verdade ainda o é, não que não queira, mas que já não sirva. Desgastou-se, sabes?
Tudo se desgasta. Tu sabes. Até tu, que estás debaixo da terra, mo dizes à noite. E quando a vergonha dos raios de sol não se intrometem também mo dizes de manhã.

- É a saudade a falar.

Dizem-me.

Mas não. É a memória que me fala - o pedaço de ti que está comigo e que nunca será meu, os restos da tua expressão, a ousadia do teu olhar. Aquilo que te roubei e que nunca te devolvi quando em tempos ingénuos disse:

- Faz-se lembrança.

Não – faz-se saudade.