quarta-feira, 26 de junho de 2013

Carta a quem não sabe ler


"Pedia-te que escrevesses onde andas.

Ou então que desses um pouco mais de alma ao meu mundo. Sal ou pimenta servem - caso o tempo não dure para nos afundarmos na beleza do meu pequeno lugar onde existes. Qualquer coisa que me estimule, me faça retroceder. Qualquer sinal de que voltei aos tempos de ânsia, onde a tua alma e dedicação ainda existiam. Qualquer coisa vinda de ti – seria suficiente.

Pedia-te a mais insignificante palavra. A mais tímida de todas - a mais vulgar, feia e asquerosa palavra. Perderias tempo teu - o qual não ousas dispensar senão somente em ti. Perderias tempo em mim. E qualquer tempo vindo de ti – seria suficiente.

Ou então pedia-te que ouvisses a mesma música. Que – sei lá - te lembrasses da letra tal como eu. A interpretasses da mesma forma, com os mesmos momentos e as mesmas histórias. Pedia-te telepatia - pensamentos comuns e ideias partilhadas. Qualquer que fosse a memória – seria suficiente.

Tudo seria suficiente – se fosse teu. Nada mais do que tu. Nada mais do que pedi.
Sempre foste e serás o suficiente para mim.  

Pedia-te que te importasses tanto como eu me importo por ti. Ou então escreve-me - como eu escrevo a ti."

carta a quem não sabe ler

sexta-feira, 22 de março de 2013

Fora da lei



Um desastre.

Como se por cada palavra que te tirava, tiravas-me tu um bocado do meu coração. Era como uma troca, um pacto. Alianças, espécie de negócio ilegal.

Quão errado é negociares pulsações do teu coração só para obteres umas miseras palavras de quem dele se ocupou. E não mais saiu. Vai saindo assim, a roubar-te pedaços. A negociar palavras. Coisas secas e sem significado que até gostas de ouvir para adiar esse desastre. Com esperança – adiar até outro negócio mais rentável aparecer.

Mas tudo ilegal. Que coisas de sentimentos só dá chatices burocráticas para as quais não temos dinheiro para pagar. Que o amor quer-se é a fugir, a correr por entre as pernas. Um fugitivo que ganha a sua vida com negócios desta laia – trocas injustas mas que sossegam almas apaixonadas.

Quão certo é registar todas as faltas, desilusões, facturas por pagar que o amor obriga. Diria um desastre. Tal e qual como se sentisses falta da memória que te apaixonou- de tão leve era que se escapou no meio desses tratados fora da lei, a troco de palavras e sinónimos para a corrosão de ti mesmo.

- Amo-te  - disse em voz alta.

E como por receio o tolo que ouviu esta bela palavra debruçou-se sobre o traficante, e a modos como que para ninguém ver, perguntou

- Quanto te devo?

Um desastre, porventura.

sábado, 16 de março de 2013

Um vulto lá fora



Um vulto lá fora
Espera nessa solidão de pedra.
Tanto se demora,
Que na solidão se enreda.

Um vulto lá fora,
Que nome não tem
-seja eu, sejas tu-
Aguarda que devorem
a identidade de alguém.

Numa câmara escura,
Num lugar que não encontram,
Dorme essa alma obscura
Que nem os homens defrontam.

Vejam,
Há um vulto lá fora,
Que pelas janelas não entra.
Seja alma, seja cor
- seja espirito, seja dor –
Prefere a porta do coração que esquenta.

sábado, 2 de março de 2013

Não fez mal



Davas-me os teus ouvidos se te pedisse para ficar? Se te implorasse. Pedisse perdão. Sei lá. Desesperasse. Davas-me ouvidos? Como quem dá lápis, papel e caneta num gesto de bondade, davas-me tu os teus ouvidos? Para que  pudesse sussurrar-te essas belas palavras que me esqueci de te contar com a pressa de um sentimento repentino que me deu. Que me dá todos os dias. Que me impede, trava – de te falar um

- Desculpa.

Ao longe – talvez nos meus sonhos - eu até já ouço umas palavras meias tímidas e nebuladas

- Não fez mal.

Palavras tuas.
E depois volto à minha essência destemidamente tímida, que afinal não implorou por uns ouvidos teus, não te sussurrou as palavras desejadas. Na verdade nada fez para que pudesse ouvir um

- Não fez mal

Que é teu. Que é o único que a minha irónica coragem quer ouvir.
Peço-te um

- Desculpa.

Mil e uma vezes por dia. Mil e duas se contar com uma vez em que me enganei e o disse em voz alta – mas só para mim. Que tu não me dás os teus ouvidos. Não mos emprestas. Não me deixas chegar-lhes.
E eu quero. Preciso – que esse meu ser destimidamente tímido – solte essas palavras ao ritmo da chuva que bate no chão. Eu quero – preciso – de te sussurrar essa loucura, essas letras arrependidas, essa palavra gasta, esses meus mil um sonhos em que te digo

- Desculpa.

E por uma vez -  tu dás-me os teus ouvidos.
É então, na mais correcta e verídica realidade que o meu pensamento já ousou enfrentar – que me dizes – de verdade

- Não fez mal.

      E eu acredito, pela primeira vez sem ser em sonhos, na minha inocência. No teu perdão.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Quanto tempo demorarei?



Há dias em que penso em realizar sonhos.

Como uma vontade de criança. Com um sabor de algodão doce na boca e uma corda de saltar enrolada nos meus ombros. Digo-o – com vontades de gente pequena. Com a ingenuidade das pequenas almas corajosas e a persistência da sua energia contagiosa.

Tão depressa e tão urgentemente como o palpitar de um coração minúsculo que bombeia mais que o de gente crescida – tem dias. Tão inconscientemente – penso em sonhos.

Penso nestes meus desejos grisalhos, de já cabelos brancos - incompatíveis com a minha imagem de rapariga inocente. É irónico o caminho que os nossos objectivos perfilam. Mais irónico ainda é acharmos que eles – os sonhos – seguem-nos, como pegadas na areia correm atrás de quem as percorre.

Agora – que sou gente pequena com confiança de ser grande – tenho dias em que penso em como queria realizar sonhos.

Com esta nova vontade de ser velha enrugada. Deixo rastos dessa saudade de sentir o sabor do algodão doce na minha boca. Deixo pegadas - que já se arrastam como resultado da velhice que quis antecipar – dessa melancolia, da saudade da energia viciante e imparável com que queria mudar.

Tão depressa e urgentemente quis eu sonhar. De tal forma, que tão inconscientemente – deixei-me parar.

Quanto tempo demorarei a esquecer os meus sonhos?

Agora que escapei dessa ingenuidade de criança que todos querem adiantar - quanto tempo demorarei a não mais lembrar os dias em que sabia sonhar?



sábado, 23 de fevereiro de 2013

Magra vontade



Eu não sei. Não posso saber. Mas acho que gosto de ouvir aquilo que custa. Como se quanto mais me desfizesse, mais me torturasse – melhor ficaria. Esse magro amor a mim.

Magro e pálido desejo de viver em picos de tristeza, de sentir o rasgar da pele nessas montanhas aguçadas e de vez em quando – para me menos amar – saltar para um campo de emoção e alegria onde me encontro com a doce textura de quem sou – quando me apetece ser.

Até conto os dias, as horas – em desespero – até os minutos, de quanto alimento o meu amor precisa para ser suficientemente fraco, necessariamente cobarde. Um desistente, para que desista de mim assim como eu desisti dele ao querê-lo fino e instável. Ao querê-lo meu – só meu. Porque quem mais quereria um magro amor a si mesmo? Quem mais se daria ao trabalho de fazê-lo emagrecer senão a pessoa com mais - e com tanto menos – vida para dar.

Assim é. Quando me apetece ser – eu sou. Mas nessas horas vagas – que são a maior parte delas – eu não consigo ser mais do que esse anoréctico sentimento de mim mesma.

Há quem diga que vivo por medo.

Eu não sei. Não posso saber. Mas acho que gosto da minha fraca vontade de ser. Como se quanto menos fosse, mais insipida estivesse – mais magro o meu amor seria. E tudo para que não haja ninguém – em todo  o mundo – capaz de roubar-me essa auto-estima já tão lisa, tão pálida, tão doente. Para que o meu magro amor seja só meu. E eu continue a ser somente a doce textura de quem sou- quando me apetece ser.