segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Crónica da inocência


Sentei-me. Estava mesmo cansada – de tudo.
 Peguei no café frio da noite anterior e bebi, nem pensei como ele não iria fazer efeito. Não iria fazer-me adormecer, nem esquecer. Apenas era um hábito do qual não prescindia. Costumava fazê-lo nas noites intermináveis em que me davam dois dedos de conversa e por ali se prolongavam assuntos da “vida”. Tudo acaba nisso. Na vida.
Comecei a relembrar a minha ingenuidade desses tempos. Tinha pressa em viver, queria correr o mundo num só dia e experimentar tudo numa só hora. Esqueci-me que viver não é escolher todas as opções mas sim aceitarmos só haver uma por onde caminhar.
E o amor, esse, era tão fácil. Tão leve que voava. Tão insípido que voltava. Tão transparente que se escondia. Mas sempre o encontrava, por detrás de uma personagem inocente que imaginava ser um futuro coerente.
Inocentes não têm lugar aqui, neste mundo – não bebem café à noite para lembrar, não guardam rancor, não acordam de madrugada para escrever meia dúzia de palavras nunca ditas, não bebem para esquecer, não fingem amar, não fingem sofrer…
Quem me dera ser inocente, poder dizer que nada sei.
Os meus olhos já viram muito, mas o que quero ver, nunca mais verei…

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Eu dizia saber


Eu digo que sei o que sinto. Mas não sei de manhã que sapatos escolher.
Eu digo que sei o que quero. Mas a minha vida é feita de escolhas duvidosas, saltando de caminho em caminho.
Eu digo que sei – tola que sou.
Eu não sei nada. E de que vale saber? Ao menos se pudéssemos decidir, sonhar ou ainda imaginar com uma venda nos olhos… Os pormenores não existiriam, não passariam de um conceito abstrato impossível de alcançar porque a vida tornar-se-ia aquilo que nunca foi – viver com substância. Sabê-lo fazer.
Nós sabemos demais, procuramos demais, não entendemos que o melhor está mesmo ao nosso lado – carregando as dores, as lágrimas, as virtudes que partilhámos. E rastejam de carga tão grande que levam – a nossa – só para nos acompanharem no caminho que dizemos que queremos, que dizemos sentir ser o correto.

- Onde estamos? Porque não me contas onde estamos? Já posso tirar?

Perguntei um dia.

- Não ainda não, ainda não é tempo.

Disse-me alguém que não conhecia mas que de certo modo me era familiar. Que me suportou em todo o caminho de cegueira que atravessei. Eu sabia que ela estava corcunda, o trabalho árduo era muito, as minhas consequências pesavam-lhe, mas eu estava cega- de olhos vendados. Eu não podia fazer nada.

Foram anos de caminhada, de uma luta infinita procurando uma luz para os meus olhos. Anos sozinha – ou passados com desconhecidos. Mas foi esse tempo, essa persistência, viver num mundo a preto, caminhar num lugar estranho, que me fez perceber o que realmente sou – essência.

E chegou a hora.

- Vais sentir uns sintomas estranhos – cócegas na barriga, pensamentos infinitos, um bater de coração forte e a cara corada. Mas é mesmo assim – viver é amar. 1, 2..., 3!

Tiraram-me a venda. Esse alguém que rastejou ao meu lado uma vida inteira. Então carreguei também o fardo que levava às suas costas, e juntos percorremos caminhos cegos ao mundo – abstraídos dos detalhes imperfeitos de quem não sabe o que é a cegueira.

Eu dizia que sabia o que sentia, tola que era. Não imaginava eu que dar valor às coisas não era vivê-las mas sim melhorá-las.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sopros da manhã


Foi naquela manhã fresca,
Embalada pelo canto
De ventos agitados
Correndo, soprando.

Foi nesse dia de amargura
Que dei por mim a sonhar.
Desejei, ingenuamente, ser a bravura
Que fez os ventos cantar.

Deram-me asas para voar,
Textura achatada para surgir,
Encobriram-me com um véu sem cor
E chamaram-me de “natureza que sabe sentir”.

Tornei-me no feitiço
Que seduz o coração
Do pobre vento Bojador
Que carrega o destino, agora sem razão.

 E é por isso que eu não desejo,
Porque se eu desejasse tudo se realizava.
- A vida é feita dos momentos
Com os quais eu não contava.

Sou apenas mais alguém,
Que sente a brisa da madrugada.
- Resultado de um vento perdido
Cujo canto não foi ouvido
Quando o sopro se fez rajada.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Há qualquer coisa que eu não gosto


Odeio fins. Odeio começos. Preciso de uma estrada de pedra, um percurso selvagem e palavras novas.

O intermédio é uma vasta solidão compreendida entre dois tempos felizes. É o fim e o começo, o compasso de espera, uma corda bamba sem sentido, um vazio sem história com personagens soltas que balançam de um lado para o outro, neutras.   

É um intervalo, não como um das três da manhã às cinco da tarde. Um daqueles sôfregos, infinitos – porventura. E nós nunca sabemos onde estamos - se no fim, se no inicio, se no meio. Nós nunca sabemos nada, vagueamos fingindo. E adoramos fingir saber. Loucos demoníacos diriam outros, sobre nós.

Não é que tenha medo de começos, mas do que vem antes. E não sei quando vem ou se julga vir. Não sei se me devo preparar ou é melhor chegar atrasada, para me notar. Sempre me disseram para começar com o pé direito, mas eu não sei o local, o dia, as horas, o ano em que começarei de novo.

Se calhar estou no fim, de algo. E é por isso que sinto um calafrio, os pés a gelarem e o relógio a adiantar-se. Quer chegar primeiro que eu , mas não me importo, afinal só vagueamos. 

E eu acredito e sempre vou acreditar, mesmo se da corda bamba não sair, que a vida é mais que conquistas supérfluas onde tentam o fim nunca atingir.  

Já passa da hora, eu sei. Tudo o que é bom vem atrasado, mas sempre perdura.