sexta-feira, 22 de março de 2013

Fora da lei



Um desastre.

Como se por cada palavra que te tirava, tiravas-me tu um bocado do meu coração. Era como uma troca, um pacto. Alianças, espécie de negócio ilegal.

Quão errado é negociares pulsações do teu coração só para obteres umas miseras palavras de quem dele se ocupou. E não mais saiu. Vai saindo assim, a roubar-te pedaços. A negociar palavras. Coisas secas e sem significado que até gostas de ouvir para adiar esse desastre. Com esperança – adiar até outro negócio mais rentável aparecer.

Mas tudo ilegal. Que coisas de sentimentos só dá chatices burocráticas para as quais não temos dinheiro para pagar. Que o amor quer-se é a fugir, a correr por entre as pernas. Um fugitivo que ganha a sua vida com negócios desta laia – trocas injustas mas que sossegam almas apaixonadas.

Quão certo é registar todas as faltas, desilusões, facturas por pagar que o amor obriga. Diria um desastre. Tal e qual como se sentisses falta da memória que te apaixonou- de tão leve era que se escapou no meio desses tratados fora da lei, a troco de palavras e sinónimos para a corrosão de ti mesmo.

- Amo-te  - disse em voz alta.

E como por receio o tolo que ouviu esta bela palavra debruçou-se sobre o traficante, e a modos como que para ninguém ver, perguntou

- Quanto te devo?

Um desastre, porventura.

sábado, 16 de março de 2013

Um vulto lá fora



Um vulto lá fora
Espera nessa solidão de pedra.
Tanto se demora,
Que na solidão se enreda.

Um vulto lá fora,
Que nome não tem
-seja eu, sejas tu-
Aguarda que devorem
a identidade de alguém.

Numa câmara escura,
Num lugar que não encontram,
Dorme essa alma obscura
Que nem os homens defrontam.

Vejam,
Há um vulto lá fora,
Que pelas janelas não entra.
Seja alma, seja cor
- seja espirito, seja dor –
Prefere a porta do coração que esquenta.

sábado, 2 de março de 2013

Não fez mal



Davas-me os teus ouvidos se te pedisse para ficar? Se te implorasse. Pedisse perdão. Sei lá. Desesperasse. Davas-me ouvidos? Como quem dá lápis, papel e caneta num gesto de bondade, davas-me tu os teus ouvidos? Para que  pudesse sussurrar-te essas belas palavras que me esqueci de te contar com a pressa de um sentimento repentino que me deu. Que me dá todos os dias. Que me impede, trava – de te falar um

- Desculpa.

Ao longe – talvez nos meus sonhos - eu até já ouço umas palavras meias tímidas e nebuladas

- Não fez mal.

Palavras tuas.
E depois volto à minha essência destemidamente tímida, que afinal não implorou por uns ouvidos teus, não te sussurrou as palavras desejadas. Na verdade nada fez para que pudesse ouvir um

- Não fez mal

Que é teu. Que é o único que a minha irónica coragem quer ouvir.
Peço-te um

- Desculpa.

Mil e uma vezes por dia. Mil e duas se contar com uma vez em que me enganei e o disse em voz alta – mas só para mim. Que tu não me dás os teus ouvidos. Não mos emprestas. Não me deixas chegar-lhes.
E eu quero. Preciso – que esse meu ser destimidamente tímido – solte essas palavras ao ritmo da chuva que bate no chão. Eu quero – preciso – de te sussurrar essa loucura, essas letras arrependidas, essa palavra gasta, esses meus mil um sonhos em que te digo

- Desculpa.

E por uma vez -  tu dás-me os teus ouvidos.
É então, na mais correcta e verídica realidade que o meu pensamento já ousou enfrentar – que me dizes – de verdade

- Não fez mal.

      E eu acredito, pela primeira vez sem ser em sonhos, na minha inocência. No teu perdão.