terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Pedidos


Pedidos. Escritos a lápis num papel virgem para nunca mais serem lembrados. São magnânimos, no entanto, tão frágeis…

Não fujo do meu sucesso nem das minhas culpas, pelos menos não costumava faze-lo. Mas agora as coisas mudam, tudo muda. Isto. O amor. Muda. Parece tão real, que quase que consigo sentir. É por isso que fujo e vou saltando os campos, de pensamento em pensamento, achando, procurando, roubando – peças – as coisas do destino. Inúteis – como os pedidos.

Ontem experimentei escrever no papel, isto – coisas supérfluas de amor – lamechices como estas. Tretas. Tudo isto são tretas. Inocentes como eu gostava de ser. Isto é a inocência a falar, pedindo inutilmente que escrevamos num papel novo, mais um, que acabará rasgado por os demais desejos escritos não se virem realizar. Rasgado como tantos. Escondido como todos.

Nós. Sabemos que as coisas são assim, o rumo delas é fazer-nos tremer de medo. E o amor, esse, até agora sempre superficial, tornou-se algo a que nos habituamos e do qual não prescindimos. Prendeu-te e nem deste por isso. Começaste por escrever, nesses papéis, símbolos, que depois tornaram-se palavras e logo ficaram pedidos. Os ingénuos pedidos. Que te fazem acreditar e te deixam sem norte, enquanto te preparas para a grande chegada daquilo a que chamam – verdadeiro amor.

Mas nunca, até agora, nos apresentámos a ele de modos compostos. Sempre nos demos com esse lamechas quando estávamos desajeitados e de cabisbaixo. A verdade é que ele aparece, sempre aparece, como escrevemos naquelas folhas rasgadas cujos pedidos diziam-se não se realizar.

Nós. Sabemos que as coisas são assim.

O que muda é o destinatário, porque esses desejos, esses pedidos, permanecem iguais. Para sempre, até reconheceres que há perguntas para o qual não há respostas e desejos para o qual não há sonhos, apenas actos - como o amor. O eterno amor.

Pedidos só os sãos quando escritos num papel virgem. Os meus estão velhos e chamuscados. Terão de servir.

É por isto, que eu não quero desejar, porque se eu desejasse…tudo se realizava.

sábado, 24 de dezembro de 2011

A vocês - mensagem


Véspera de Natal.

Hoje é diferente. Sempre é.

Podia utilizar qualquer dos dias para dizer as próximas palavras. Mas hoje, por ser hoje – tornam-se especiais e carregam mais magia que nos outros dias, em outras horas. Eu quero que estas sejam diferentes, repletas de sentimento e desenhadas com a alegria. Gostava que sentissem o que eu sinto, apenas neste momento. Os outros são águas passadas.

Deve ser das primeiras vezes que me custa escrever as palavras, agora ao imaginá-las como um castelo perfeito e dinâmico vejo que no papel apenas retratam uma cabana de madeira já velha. Mas é o meu objectivo, as coisas humildes sempre são as melhores.

Eu apenas queria agradecer. Um agradecer especial. Carregado. Um símbolo.

Dizem que basta acreditar e lutar para o sonho se vir a concretizar. Eu digo que não. Aliás, um agradecer não chega. A vocês, todos os meus leitores e amigos, que lêem o que escrevo e me dão apoio para continuar, a vocês – um obrigada não é presente nem oferta, não chega simplesmente.

Não basta apenas gostar de escrever para as palavras saírem. É preciso apoio e força, que me encarregam de dar. Graças a vocês, que lêem isto, as oportunidades foram surgindo como as andorinhas na primavera. E não as devo a mim, mas a todos aqueles que pegaram na minha caneta e me forçaram a escrever no papel aquilo que a minha alma não quer fazer entender.
Faltam-me as palavras, já houve tempos em que também me faltavam. Insistiam em permanecer somente na minha memória como todos vocês já permanecem, esse é o meu único e feliz problema. Que sejam sempre estes a acompanharem-me.

Que tenham um feliz natal e um bom ano 2012.
A minha vida não seria o que é agora sem o fruto da vossa esperança, que começa agora a brotar.
Em nada destas frases vejo o meu total agradecimento e alegria para com vocês, mas são estas simples e humildes palavras que constituem aquilo em que me tornei.

Amizade é a principal textura do tecido que é a vida.
Repito, gostava que sentissem o que eu sinto. 
Por tudo - obrigada.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Palmas



Entrei vagarosamente na sala.

Respirei bem fundo todo o ar que podia, e algum mais. Era tentadora a ideia de escapar dali, fugir. Ainda ia a tempo de desaparecer. Mas a minha conduta, os meus ensinamentos, as minhas memórias e o próprio ar que respirei prendiam-me - de certo modo – àquilo que eram quatro paredes pintadas de um vermelho escuro, que sufocavam o espírito de quem quer que nelas se encontrassem.

- Sente-se.

E eu sentei-me. Estava acomodada sobre um banco lilás forrado a azul-marinho, que me incutiram. Eu sabia que tinha de obedecer às ordens daquele sujeito. Todos o admiravam, diziam-lhe ser um génio. Só eu não nutria tais sentimentos por aquela figura cujo objectivo era manipular a minha mente e fazer dela o seu brinquedo. Aliás, detestava-o.

- Diga-me, porque está aqui?

Deve ser daquelas perguntas que todos os psicólogos teimam em dizer, insuportáveis. Não respondi, não me apeteceu. Para quê responder a alguém que não me conhece, nem a mim nem à minha vida, não sabe quaisquer palavras do meu característico vocabulário, nem sabe quais foram os meus gloriosos momentos. E bem, quem não me conhece não merece resposta.

- Vamos ficar assim, neste estado de silêncio por mais quanto tempo?

Sim. Isso. O silêncio agradava-me, principalmente ali naquele cúbico que pressiona as pessoas. Desde a primeira sessão que tinha decidido fazer silêncio, afinal de contas não estava ali por querer, mas porque me obrigaram. Por vezes penso que as pessoas têm medo de estar com alguém diferente, criativo. Só essa pode ser a explicação para me encontrar neste local, não me suportarem – nem a mim nem às minhas divagações estúpidas e sem sentido -  dizem.

- Cara rapariga começo a saturar-me das tuas birras infantis, estás a desperdiçar o meu tempo.

Tem tempo. Disse ele. Também eu tenho – talvez contado, ainda não sei. Não tarda hei de descobrir. Cada sessão é quarenta e cinco minutos, trinta dos quais já tinham passado. Eu sei e no fundo ele, o psicólogo, também sabe que a única forma de me ajudar é o silêncio. É sentir o nada e pensar no muito, assim, sozinha, sem ninguém a ajudar-me. Dizem que crescemos sozinhos e que nada nem ninguém nos deve ajudar, pois só assim podemos aprender. Mas então, que está ele a fazer-me? A proibir-me de crescer, de aprender, de sofrer. Eu quero sofrer, acho que ainda não perceberam isso. É tudo tão melhor quando se sente verdadeiramente as coisas e não escapamos delas como gatos escapam da chuva.

- O tempo acabou, espero que tenha percebido que foi a nossa última sessão. Nada mais posso fazer por si.

Levantei-me. Tinha chegado a hora. Pronunciei-lhe talvez, se não nos virmos a encontrar no futuro, as primeiras e últimas palavras desde que me obrigaram a passar quarenta e cinco minutos das minhas sextas-feiras naquele espaço.

- Deixo as minhas próprias injúrias para comigo, as suas palavras já lhe custam demasiado a ser pronunciadas, para que deveria eu ainda as estagnar mais ao falar. Obrigado Doutor, agora é tempo de verdadeiramente me ultrapassar.

Acho que fechei uma etapa, não uma de revolta mas de pura emoção. O verdadeiro herói é aquele que saúda os seus inimigos. Eu cá acabei de me saudar. Palmas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cartas Seladas


Em cada bilhete mandado
Há palavras rasgadas,
Palavras arrependidas
Feitas cartas seladas
- Segredos camuflados em feridas.

E as cartas vão e voltam
Num turbilhão de beijos,
Que guardam essas formosas letras
Escritas e desenhadas,
Mergulhadas em desejos…

Em cada frase te encontro,
Em cada palavra te perco.
Luto eu neste confronto,
Nesta batalha que não comecei
Onde apostei no meu amor
E onde nele confiei.

Só queria ter as minhas cartas,
As lindas e intensas declarações,
Onde eu te conquistei
Ao apunhalar mil e um corações.

Em cada frase te encontro,
Em cada palavra te perco…
Nessas cartas falhadas,
Pelos teus beijos seladas
- Onde o sonho é secreto...

sábado, 10 de dezembro de 2011

Utopia


Eram corais feitos de pérolas,
Frágeis e hostis,
Ao mergulhar eu os via,
O predilecto sonho da minha utopia.

O impossível nunca me chegou,
Queria mais e mais em frente seguir,
No fundo acreditava que quem a alma aquece
Ao topo havia de subir.

Eu tinha uma utopia
Que era sinal de história,
Fruto da minha juventude
Que ingenuamente acreditava na vitória.

Ao mergulhar,
Nesse gentil e bravo mar,
Eu via os corais,
Sensíveis ao toque,
Tão pouco e tanto reais.

Eu tinha, eu tenho
Uma utopia.
- De alcançar a minha história
Ao mergulhar
Numa dessas frentes de maré fria.

Corais duram,
Morrem sem o tempo,
Permanecem no calor,
E rejeitam a minha frágil dor.

Como posso eu conquistar essa tenebrosa utopia
Se o que mais preciso tem receio da minha gélida e tímida mão fria…

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Elogio da ausência - excerto II


“ (…) Ela tinha o dia mas faltava-lhe a noite, faltava-lhe a cegueira e a surdez. Queria o silêncio que a escuridão oferecia, no fundo desejava escapar à razão que tão claramente se via à luz do dia. O seu amor, esse, já vinha no fim e fora do prazo, entregaram-lho estagnado e naquele momento ela observava-o a apodrecer. De maneira que tinta e papel não lhe serviam, nem ressaltos de memórias, nem datas desencontradas. Só queria a solução, o princípio, a genialidade de alguém que a viesse salvar. Mas heróis não existem e Margarida nunca aprendeu a viver em contos de fadas. Só queria e lamentava um pano escuro a travar-lhe o caminho. De tanto querer ser, sentia-se um nada, um refúgio inconsolável.

Olhava para ela própria com desejos horríveis de desaparecer, é o que acontece quando vemos morrer o fogo outrora inestimável, e que hoje não passa de meros pedaços de madeira que já não querem arder.

(…)

A solução era, devia, esperava ser, ter mais lenha. Mas a olhar para o interior dos seus olhos, brilhantes e fugazes, sentia-se no fundo, o seu amor a estagnar e os armazenamentos a desaparecerem. Viu-se então a última chama, da última lasca de madeira que fazia a paixão ter vivacidade. A última brasa escapou, e depressa morreu ao sabor do gélido coração que tinha perdido a validade (…)”

Excerto do livro "O elogio da ausência" escrito por Sara Penas.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

As cinzas tudo levam


Há sítios,
Que mais sítios não são.
Lugares,
Que o amor destronou
Sem aparente razão.

E houve cinzas,
Vindas do carvão ardido,
A energia pura do amor
Que se destinou,
Como perdido.

A vaguear pelas brisas
De quem não sopra a paixão,
Encontrei o fogo alojado,
Esperando o incomensurável aperto
De quem havia amado.

Num olhar escondi memórias
E na cegueira as enterrei,
Aguardando as ingénuas vitórias
De um amor que sempre esperei.

Vejo agora as cinzas
A serem levadas pelo vento.
Fruto de uma ténue paixão
Aparecida somente
Num errado tempo
Em errado coração.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Há coisas que nunca desenhei



Hoje é o dia de esvaziar o lixo.

Aquele dia, que eu por sinal odeio, em que revejo velhas memórias, amarrotadas e deixadas à deriva. Não posso negar que o fiz de propósito, prefiro revê-las a deixá-las mesmo ali, indecisas, sem lugar para onde irem nem ninguém onde pousarem. Às vezes é bom imaginar o seu destino, aquele que habita nos nossos sonhos e não temos coragem de passar à realidade, quanto mais ao papel. É por isso, que hoje tenho de deitar o lixo fora. Já vai cheio de papéis amarrotados, cheio de linhas e riscos que em tempos foram sonhos e que hoje são outra vez mero carvão, farrapos.

Lembro-me de desenhar rectas, eu adorava rectas. Quanto mais olhava para elas, mais me pareciam imutáveis, mortas, demasiado perfeitas. Deixei de gostar. Deixei de traçá-las, eu sabia, no fundo, que nenhuma recta é suficientemente recta. Sabia ser impossível passar à realidade coisas que nem o papel gostava, nem os meus olhos. O meu balde foi enchendo. Dezenas de papéis amontoaram-se, amarrotados, com linhas direitas, sempre com o mesmo sentido, o mesmo caminho, as mesmas decisões - previsíveis, nada humanas.

Então foi dia de deitar tudo fora e começar de novo. Tudo a lápis. Mas a borracha também não faz parte dos sonhos. Não se apagam, desvanecem-se com o tempo – como o carvão.

Achava que entrar no lado perigoso da vida era desenhar riscos, mas para mim, eram sinal de mais, de menos, de tanto e por vezes pouco. Representavam a minha confusão, os meus amores desalinhados e imprevisíveis, o meu pensamento desarrumado e sem gavetas que o organizasse. Era o impensável, a vida num papel. A revolta. Eu lembro-me de adorar a revolta.

Não durou muito até confiar, deixou de ser algo pessoal e de modos suaves fui deixando os papéis na mesa, para quem passasse. As respostas não demoraram a chegar, os riscos eram feios – sonhos impossíveis, estúpidos, sem perfeição. Era o que achavam dos meus lindos desenhos (riscados). Eram o carvão da minha alma, a energia que me movimentava. Mas todo o carvão se esgota e todo o sonho degenera sem convicção. Mais uma vez, tive de sair à rua, envergonhada, com mil olhos postos no que acartava, o balde cheio pronto a esvaziar.

Sim. Hoje também é dia de ir ao lixo. Deitar o carvão fora. Posso desenhar sem lápis e apagar sem borracha. As linhas rectas são o que me travam a imaginação contudo são o sustento do meu equilíbrio. E os riscos, esses, continuam lindos, não importam o que pensam. São os meus riscos, desenhados sem o carvão que se desvanece, nem perseguidos pela tentação de uma borracha. São só riscos, abstractos, que talvez um dia, quem sabe, sejam mais que pontos invisíveis.

Vocês, sonhos feitos em desenhos, rabiscados e mal conseguidos, enchem-me a memória, que sabem ser o lixo da minha futura vitória.
Nunca se esgotem, o meu balde tem capacidade infinita.