quarta-feira, 25 de abril de 2012

Querem que me cale



E o tempo passou. Não, nada disto, estou errada, como sempre, como daquela vez em que a minha mãe me pediu para contar os números e eu disse dezoito, dezanove e não sei mais o quê, é demasiado para mim. Demasiados números, coisas difíceis que ninguém me ensinou e esperam que saiba. Eu é que me passei, não foi o tempo. Deixem lá o tempo em paz que ele em nada tem a culpa de eu não saber contar. De eu não saber. De eu não saber chorar lágrimas enxugadas e secas pelos meus lábios, lábios esses que sempre falam o que não devem, o que não podem, o que não sabem. E depois protestam com a cara, com expressões e esperam que eu compreenda esses sinais corporais que ninguém me explica:

- Cala-te!

Mas calo-me a quê? À vida e ao facto de não saber a quantas vou? Não me posso calar, nem que fale pelos olhos, nem que me ria pela barriga e proteste com os braços, eu não paro, não me calo. Arranjo outras línguas se for preciso, mas vou protestar. Por não me terem ensinado os números e agora me sentir uma burra desvairada que não sabe quando parar.

Se me dissessem para curar uma ferida no joelho, sabia bem o que fazer, não podia chorar, não podia espernear nem gritar, pelo menos foi o que meu pai me ensinou quando eu era pequena. Só espero, que alguém venha e me ajude. Espero, conto o tempo, mas eu não sei contar… Esqueceram-se disso.  

E querem que me cale, que me cale à ignorância, ao tempo e aos relógios que teimam em fazer barulhos para contarem o quotidiano a quem não sabe fazê-lo. Ainda dizem que eu é que não sei, mas são os outros que utilizam tudo e mais alguma coisa para sobreviverem. Ora é o despertador, ora é o telemóvel, ora é isto e aquilo, ora é uma campainha ou duas batidas na porta, porque três já é muito e dez soa a desesperada. Querem que me cale aos sons que ouço, às vozes que me assobiam de noite, mas são as únicas que me dizem

- Dezoito, dezanove, vinte…

domingo, 22 de abril de 2012

Não que quisesse

Vivia numa realidade sem noção,
Não que quisesse,
Mas porque já não a sabia sentir.

Já não a sabia tocar,
Nem comovê-la,
Nem nada
- Nem a amar.

Já não sabia surpreendê-la
E isso não foi surpresa.
Quem se alimentava da fome
Um dia havia de se tornar
Na sua própria presa.

Chamem-no de louco cativo,
Que louco ele assim é:
 Ri-se chorando
 Remando contra a maré.

Se criou um atalho à sua vida
Fê-lo para se prender
- Viva numa realidade sem noção,
Não que quisesse,
Mas porque nada mais havia a perder.