quinta-feira, 24 de maio de 2012

Rastejar



É a mudança
Que me acarta
Esse peso que já não sinto.
Tanto Minh ‘Alma se farta
Que rastejar já é instinto.

Pedir súplicas à piedade
Ou palavras ao amor,
Tornou-se loucura tão grande
Que emoções já não me surgem
E lágrimas são pudor.

Vem, que te espero,
Feitiço imaculado
- Que meu coração
Já não suporta
Fardo tão pesado.

Viver suplicando
Não é algo em que se invista.
Nem para quem,
Ausente de sentimentos,
Rasteja carregando mil e um tormentos.

Vem, que te espero,
meu bem entender.
Antes coração apunhalado,
Que fé assente sem abrigo,
Já que rastejar...
Eu não mais consigo.

sábado, 12 de maio de 2012

Some-te


Não te quero aqui – que me sufocas. Que me tiras o jeito e não sei não ter jeito.

Some-te que eu mais não consigo suportar esta falta de ar, este último suspiro que empurra as tristezas e lembra prisões. Porque me prendes a mim e a quem eu sou – esse eu que te tem a ti a cada esquina, a cada virar de pensamento com palavras amontoadas lá estás tu à espreita, à minha espera e à do meu susto. Some-te de vez - que eu odeio sustos, surpresas, amores.

Vai, não voltes. E se voltares que tragas nada, nem a ti, nem ao teu nome nem quem és. Que me tiras o ar e me deixas de olhos babados. Eu pago-te – mas desaparece. Desaparece de mim e de quem eu sou. Desaparece das minhas memórias, nem que as apague a todas, nem que deixe só a infância como lembrança, nem que tire mais fotos e as coloque em molduras para ter uma vida reconhecível. Mas sai. Sai de mim.

Sai do espelho do meu quarto, do da casa de banho, do da escova e de tudo o que são espelhos. Sai do reflexo da colher ou dos vidros das montras. Porque eu não consigo, porque não me vejo e eu preciso de me ver. Some-te, duma vez. Não são obrigatórias despedidas falsas e ensaiadas, nem rios de lágrimas que não querem correr para o mar. Só te quero ver partir antes que parta eu de tanto te olhar.

Não te quero aqui - que me sufocas e eu não sei como não sufocar quando quem me prende és tu: tua alma, minha urgência, nosso amar…

terça-feira, 1 de maio de 2012

Incurável



Não foi ele próprio que estabeleceu as suas ideias. Se fosse, ninguém o curava.
Mas fingiu-se doente, incapaz de pensar, coitado do pobre rapaz cujo orgulho o engoliu em seco. Sem se engasgar.
Ainda se tenta esconder pelas entranhas do seu ego, que já não o engole, só cospe. Ainda tenta fugir pela calada, mas à noite, que de dia vêem-no cheio de febre e mentalmente esgotado. Não - de dia ele não pode andar por aí, afinal é um doente incurável sem promessas para a vida, apenas certo de que o amanhã vai ser igual ao hoje. Só se, e rara a exceção, decidir fugir mesmo pela calada (mas só à noite). Que de dia ele não tem coragem, que de dia ele sabe (ou pensa) não conseguir.
Não foi ele próprio a estabelecer as suas ideias, porque se fosse, não havia cura para a confiança nem traição às suas palavras.