terça-feira, 2 de agosto de 2011

A história com um final feliz à distância de uma espessura de um vidro

- Tenho lá alguma coisa de conseguir

Ripostou-me e nem me agradeceu o esforço incrível a que me cometi só para ajudá-lo. Pois é claro que tem de conseguir, eu também consegui haverá ele de não tentar pelo menos?

- Ao menos esforça-te por lá estares.

Disse.
Por momentos pensei o que raio tinha eu na cabeça quando me apaixonei por aquele traste. Imundo e nojento, não se esforça para nada e ainda quer direitos. Mas que sou eu para ainda continuar iludida? Já sei o que ele é, o que me prende deste modo?
A princípios ainda pensei que teríamos um final feliz daqueles como nos filmes, tudo consequências da minha outrora mocidade e ingenuidade fértil. Oh, mas que mal fiz eu para merecer isto? Eu merecia um final feliz daqueles sorridentes e ingénuos mas bons, apesar de superficiais. Imaginei sempre a minha história como daquelas em que na última parte quando tudo está demasiado bem e demasiado perfeito aparece as letras “Fim” a mostrar uma incógnita destinada aos prazeres da vida infinitos.

- Bom dia amor, dormiste bem?

Diz-me ele por vezes de manhã. Geralmente é ao Domingo que estas palavras carinhosas e irresistíveis chegam aos meus ouvidos em sussurros de prazer delirante.

“Não quero! Oportunista, sei bem porque estás a fazer isso. Desta vez não caio nas tuas jogadas de carneiro maldoso! Não é cá com amores que te desculpo. Nem com flores, cartas, beijinhos, carícias, toques…Nada!”

Penso eu, aos Domingos de manhã, por volta das 10 horas que é uma hora antes de ele conseguir tirar-me a autorização para ir fazer umas partidas com uns amigos, se bem que essas partidas são outra história em que eu não acredito, talvez umas “partidas” num bar isso sim já acho possível que venha desta lástima de marido.

- Aconchega-te ao pé de mim. Vem, anda cá, desejo-te.

Por esta altura suponho que devam ser umas 10 horas e 15 minutos, ele deve estar a começar a ficar ansioso já que só faltam 45 minutos para a sua grande saída semanal, a qual me faz deixar sozinha e infeliz pensado porque razão caio sempre eu nos seus desejos, e nos meus mais profundos talvez.

“Nem penses, desta vez vais ficar comigo. Não é com 45 minutos de prazer sexual que te vou deixar fazer o que quiseres durante o resto da semana toda. Hoje vai ser diferente – vamos sair, passear junto ao mar e vamos relembrar os tempos em que éramos jovens e imaturos e não te fartavas de mim. Não vai ser com falinhas mansas e desafiadoras que me vais aliciar. Não! Se estou contigo, ao menos quebramos a rotina, não quero fazer nada às dez nem às onze nem à meia-noite. Não quero saídas com amigos, partidas, chatices, gritos, nada! Nem que me dês flores, gatos, cães, porcos, vacas, leões, Nada! Não vou ceder, vou resistir à tua tentação nojenta e sem escrúpulos. Fazes mesmo tudo para atingires os teus fins não é?”

Pensei.

- Estúpida! Nem o teu homem sabes satisfazer! É o que dá 15 anos a aturar-te, ficas insuportável com esse teu jeito de querer/ não querer só para ficar contigo o resto do dia!

E vai-se embora, nem resistindo ele fica. Ao menos não lhe dei o que ele quis. Pelo menos não no Domingo de manhã como é costume. Agora reparo, não é a primeira vez que isto acontece, não! Já aconteceu antes, a semana passada também! E tal como no Domingo passado depois de ele sair com jeitos brutos de casa, mostrando a sua grandiosidade com o bater da porta que por milagre não se partiu, eu debrucei-me na janela, olhei lá para fora para o dia bonito que estava e depois para a tempestade que assentava na minha casa. Apercebi-me que a história bonita com que sempre sonhei quando era rapariga estava à distância de uma espessura de um vidro. Estava lá fora, à minha espera. Mas eu, ingénua, encantada por não sei o quê, encurralo-me a mim própria no mundo dele, naquela casa imunda, sem jeitos, com cheiro a álcool e tabaco a pairar por todos os cantos somente para o ver… Afinal o que se passa comigo? Sou assim tão estúpida a ponto de fazer isto? Afinal ele tem razão, sou mesmo estúpida por estar com ele e aturar as suas depressões pós-sexo, de saber que vai para a vida airada todos os Domingos e não fazer nada quanto a isso, de aturar os seus gritos e agressões físicas e emocionais que me espelham todos os dias. Sou estúpida, mas não sou parva. Lá fora um novo mundo está à minha espera, vou fugir. Talvez consiga fugir no próximo Domingo, faço o que ele me pede às dez horas, talvez ele estranhe mas não vai querer saber. Quando se for embora faço as malas e parto, parto para bem longe para nunca mais o ver. Sim, é isso. Vou fugir, e depois vamos ver quem é a cabra de que ele tanto fala. Sim, nessa altura vamos ver.

“ Isto tem de acabar”

Pensei eu, dois Domingos depois de ter planeado a minha fuga. Algo não correu bem. Porque estou eu aqui nesta maca? Alguém me explica? Não sinto as pernas, não consigo movê-las. Que se passou? Onde estou? Fugi?
E de repente a memória dos vidros estilhaçados surgiu-me. Caí, ou atiraram-me. Foi ele, ele atirou-me. Porque é que só me lembro disto? Porque é que só me lembro de estar a passar a barreira da minha história com um final feliz, aquela com distância de uma espessura de um vidro?

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