domingo, 23 de outubro de 2011

Memórias Suicidas


São três da manhã do dia que nunca chegou. Encontro-me sentada sobre uma pilha de papéis desorganizados, formam um ambiente hostil e dão um certo ar de instabilidade a tudo o que se possa encontrar por ali. Ironicamente é o único lugar onde gosto de estar – frio, nada aconchegado, solitário e nostálgico. Sinto-me um pouco assim, as minhas memórias incomensuráveis teimam em ser livres, mas quem sou eu para lhes dar asas se nem pés posso oferecer.

Esta luta interna e paciente vai esperando pelos segundos que nunca acontecerão. Obrigo-me a ser escrava e submissa de memórias feitas em pegadas anos antes, sentimentos de anos antes, lágrimas de anos antes. Mas que perduram e não se atrevem a fugir de mim. Por estas alturas desejo ser tudo o que ninguém quer ser, e imagino-me repugnante para me deixarem, isto que me assombra. Que me deixe.

E sentada no local onde estou pouco há mais a fazer a não ser pensar, em tudo o que rastos de actos mal feitos fizeram notar e que insistem, manipulam-me a permanecer. As marcas na pele, no coração e no pensamento continuam vivas e sem maneira de morrerem ou desfalecerem, já deixei de acreditar que cometeriam suicídio, e eu própria não possuo as forças para as matar. Não me importo que seja crime matar memórias, prefiro-as mortas e enterradas, talvez em cinzas, do que a despertarem dia sim, dia não o ser que há em mim que há anos que escondo.

Vou continuando à espera que elas, as memórias, envelheçam e comecem a perder a sensibilidade aos sentidos, vou ficar aqui, sentada, à espera de as ver cegar, de ficarem surdas e mudas até perderem o tacto e depois ver desvanecer os pensamentos de uma vida que elas tanto quiseram guardar. Suplicar-me-ão para as matar, ou dar asas, pelo menos para abafar as dores da velhice que a ninguém nem a nada escapa. Nessa altura eu continuarei sem forças, mas elas, fortes e no auge do sofrimento cometerão suicídio. Piedosamente eu as reconfortarei.  

São cerca de quatro da manhã do dia que não tem minutos nem segundos, mas que ingenuamente eu continuo a contar. Não sabendo o porquê, vou ficando à espera das asas que levarão metade da minha alma.

Sem comentários:

Enviar um comentário

"Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido"