sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A carta feita em confissão


Ouviu-se o toque.

“Atendo? Não, nem pensar…ou talvez devesse…mas que confusão só por uma mera chamada, vou atender”

Mas os dedos traíram-lhe o pensamento, não atendeu. Não queria mostrar que estaria interessada em fazer as pazes. Queria manter-se imóvel aos sentimentos, jamais daria o braço a torcer se ele não fizesse por merecer. A Joana, era assim que lhe chamavam, estava num estado lastimável, sentia-se enferrujada pelo tempo mas sendo tão nova, todos ficavam assustados com tamanha evolução, mudança. Todos os dias mostrava a energia, que ia buscar nem ela sabe bem aonde, ao mundo, sorria alegremente, com vontade, por vezes até pensava para si própria se estaria a trair-se por sorrir pois o seu coração dizia-lhe o incorrecto, lastimar.

“Vou esperar, não estou zangada, apenas preciso de pensar. Será que preciso assim tanto de ti como pensava? Talvez da próxima vez atenda, para dizer que gosto de ti, mas não sei se dá mais…eu estou mal, ainda assim não muda o estado em que nos encontramos. Talvez seja melhor assim, a dor sôfrega habitada entre nós que nos mantém tão distantes e ao mesmo tempo tão próximos. Martim, é mesmo assim, sabes…a vida….é mesmo assim, umas vezes esperamos coisas menos boas e acabam por haver surpresas, outras vezes é o contrário e a culpa não é nossa mas da nossa idade, da nossa jovem alma que procura a aventura e o risco. Não faz mal, estamos bem assim, longe...estamos não estamos?

Era o que Joana pensava quando o seu irmão entrou pelo seu quarto.

- Mana, fala comigo. Estás bem?

Normalmente ela não tem muita paciência para o seu irmão mais novo, acha-o demasiado irritante e atrapalha sempre em tudo, mas desta vez notou-se a preocupação na voz dele que se reflectia automaticamente nas suas expressões faciais, preocupadas, que mostravam o lado querido do seu irmão terrorista.

- Sim estou bem, não te preocupes – limpou as lágrimas da cara, rapidamente, de maneira que ele não nota-se – queres alguma coisa?

- Uma carta.

- Que carta?

- Esta mana, para ti, foi deixada agora por debaixo da porta. Eu acho que tens um admirador secreto e vou contar à mãe.

- Dá-me mas é isso e desaparece.

Pronto, o lado terno e dócil do seu irmão desapareceu tão rapidamente como apareceu. Deixou-lhe a carta sobre a cama e foi-se embora. A Joana sabia de quem era, sabia demasiado bem o que ali estava escrito, não queria abri-la, preferia deixar as coisas como estão a sentir uma dor no seu peito todos os dias. Mas o amor e a tristeza apoderaram-se da sua curiosidade omitida, aos poucos foi-se aproximando da cama, a carta estava ali, para ser lida. Relida.

“Lês e rasgas.”

“ Querida Joana,

Não me atendes, eu sei. Escusas de te explicar, eu compreendo. Só não quero mal entendidos.
Eu não estou zangado porque acabámos, eu estou triste porque não te consigo deixar. Estou contente pelas memórias que construímos, estou triste porque não consigo parar de revivê-las na minha cabeça. Não estou zangado por tu não me amares, estou zangado comigo por eu continuar a amar-te. Não estou zangado por te ter perdido, estou triste porque por momentos tive-te. Não estou zangado por não te poder ter, estou triste por saber o que me falta. Não estou zangado por teres seguido em frente, estou triste porque eu não consigo. Não estou zangado por tu não voltares, estou triste por continuar a esperar que possas voltar. Não estou zangado porque te odeio e não quero…estou triste porque sinto a tua falta e te amo. Era isto que te queria dizer, acho que a distância faz-nos bem. Adeus.

Martim “

Deitou-se sobre a cama, estava assustada. Era isto que precisava de ouvir. Sabia agora tudo.

“Obrigada, por me escreveres”

Palavras por vezes conseguem valer mais que gestos, pensou. Talvez fosse um fim, mas um bom fim…com uma carta.

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