quinta-feira, 12 de julho de 2012

Saudade



Essa saudade já escorre com o tempo. E quando lhe falta lugar desce pelos olhos. Tem dias. Tem horas. Porque foram só umas horas que passaram. Poucos segundos. Há tão pouco se fez passado e já tanto me atormenta. Já tanto me alastra. Queima.

Ficou comigo o que não enterrei - debaixo da terra. Há coisas que não se enterram, simplesmente. Naquela altura até disse:

- Faz-se lembrança.

E quase que se fez. Quase foi um passado ténue. Mas nasceu a memória que me corrói – aleija, estraga. Transformou-me em destino sádico, viril, púdico.

Escavei-te a saudade. Foi o que foi. Foi o que deu na altura, o único pedaço de ti que podia ser só meu. Na verdade ainda o é, não que não queira, mas que já não sirva. Desgastou-se, sabes?
Tudo se desgasta. Tu sabes. Até tu, que estás debaixo da terra, mo dizes à noite. E quando a vergonha dos raios de sol não se intrometem também mo dizes de manhã.

- É a saudade a falar.

Dizem-me.

Mas não. É a memória que me fala - o pedaço de ti que está comigo e que nunca será meu, os restos da tua expressão, a ousadia do teu olhar. Aquilo que te roubei e que nunca te devolvi quando em tempos ingénuos disse:

- Faz-se lembrança.

Não – faz-se saudade.

2 comentários:

"Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido"