sexta-feira, 8 de junho de 2012

O Elogio da Ausência - excerto V



“Hoje vi-te. Hoje estivemos quase juntos. Hoje voltei mais uma vez a olhar-te, não de um jeito normal, mas daquele meu jeito. Hoje lembrei-te e ontem também e anteontem e há um mês, há dois, três, quatro, até zero. Até sempre, diria.

Hoje vi que me olhavas, assim de modo esguio como fazias sempre, e fazes, ainda hoje. Como agora. E pensas que não me importo, mas eu importo, e quero e preciso, e não devia e não gosto. Mas fazes e não te importas. Não queres saber se umas vezes estás cá e outras nem por sombras, nem por ruas sombrias e fúnebres, outras nem nunca. Que é mesmo um nunca.

Mas por qualquer razão, eu lembro-me de ti, lembro-me de ti nele. No reflexo, no sorriso, no olhar, nele. Em tudo. Em tudo és tu. Em tudo estás tu.

Quando atirou as pedras à água no rio Tamisa, quando chorou por tu não lá estares e mais uma hipótese da tua sobrevivência se ter desvanecido. Quando brinco com os seus cabelos encaracolados ou quando tenho de ir com a mão ao bolso pelo gelado que ele roubou ao senhor da gelataria. Quando me vejo aflita para o por a tomar banho ou quando damos as nossas grandes viagens de comboio, à tua procura, e ele com a cabeça sempre para fora do vidro, petrificado com toda a beleza que também tu não imaginavas existir.

Quando custa, quando choro, quando me perco, quando endoideço, quando me farto, quando tudo e mais uns quantos- Estás lá tu, ou ele, porque é igual e eu não sei distinguir. Não sei diferenciar. E dói – saber que ando à procura de uma coisa que eu já tenho, que sempre tive e que te tem a ti, mais do que eu já tive.

- Fala-me de mim, de como achas que sou – Diz-me ele, orgulhoso de ser quem é, do que faz e do que alcança.

E falar dele é falar de ti, falar de nós e da nossa história. Acabo a ver-te, como te vi hoje, como te vejo sempre, como te lembro e sempre lembrarei. Até sempre, digo eu. Até o que nos une partir.

Queria que desparecesses dele, mas não consigo, é impossível apagar de um filho os traços deixados pelo pai, aqueles jeitos que em tudo são teus. Que em tudo eu adoro.

Sempre, Margarida”

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