sábado, 12 de maio de 2012

Some-te


Não te quero aqui – que me sufocas. Que me tiras o jeito e não sei não ter jeito.

Some-te que eu mais não consigo suportar esta falta de ar, este último suspiro que empurra as tristezas e lembra prisões. Porque me prendes a mim e a quem eu sou – esse eu que te tem a ti a cada esquina, a cada virar de pensamento com palavras amontoadas lá estás tu à espreita, à minha espera e à do meu susto. Some-te de vez - que eu odeio sustos, surpresas, amores.

Vai, não voltes. E se voltares que tragas nada, nem a ti, nem ao teu nome nem quem és. Que me tiras o ar e me deixas de olhos babados. Eu pago-te – mas desaparece. Desaparece de mim e de quem eu sou. Desaparece das minhas memórias, nem que as apague a todas, nem que deixe só a infância como lembrança, nem que tire mais fotos e as coloque em molduras para ter uma vida reconhecível. Mas sai. Sai de mim.

Sai do espelho do meu quarto, do da casa de banho, do da escova e de tudo o que são espelhos. Sai do reflexo da colher ou dos vidros das montras. Porque eu não consigo, porque não me vejo e eu preciso de me ver. Some-te, duma vez. Não são obrigatórias despedidas falsas e ensaiadas, nem rios de lágrimas que não querem correr para o mar. Só te quero ver partir antes que parta eu de tanto te olhar.

Não te quero aqui - que me sufocas e eu não sei como não sufocar quando quem me prende és tu: tua alma, minha urgência, nosso amar…

4 comentários:

  1. Olha que bonito Sara :)
    É mesmo assim, às vezes!

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    1. Obrigada! Sim, por vezes, nao deixa de retratar momentos da vida.

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  2. Este teu "Some-te" está muito bem escrito e aplica-se a diversos momentos da nossa vida. Às vezes, queremos apenas viver sós, sem aquele olhar (ou olhares) que nos prende (ou prendem), mesmo que apenas em súbitos momentos sem sentido. Mas, se mergulharmos bem fundo ao redor da nossa verdadeira essência, perceberemos que não conseguimos estar afastados daqueles que nos prendem. Porque é essa prisão que nos liberta, é essa estranha sina que nos preenche, é esse mundo desconcertante que nos faz buscar a perfeição que, aliás, jamais existirá. Mas quem deseja viver num mundo perfeito?! Pois que vivamos prisioneiros desses olhares ou, simplesmente, sozinhos (sem esse "sufocar"), incompreendidos ou, simplesmente, escravos de uma sina que não é a nossa. E esta introspeção só é possível com os olhos bem abertos para este mundo imperfeito...

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    1. A tua opinião é fantástica, concordo completamente e muito obrigada pelo comentário : ) Claro que nunca conseguiremos estar submersos no nosso próprio mundo, por mais crises existenciais pelas quais ao longo da nossa vida passamos como evolução natural do pensamento do ser humano, nós somos aquilo que nos acompanha, as nossas influências tornam-se a nossa base para a sobrevivência social. E claro que mundos perfeitos nem no nosso melhor sonho conseguem existir, ate porque a perfeição chega a ser um conceito de tal maneira abstracto que quase não possui um significado para a escrita. somente porque tudo o que se exprime contraria a ideia de perfeição, as palavras são o reflexo disso mesmo - da companhia, outras vezes feita solidão e a bela da imperfeição mundanal de que tanto gostamos acompanha os traços desenhados pela caneta

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"Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido"