Entristeces-te com o presente, estás cansado – cansado de ti. Queres
que te ponha a mexer. Dizes-te farto dessa poltrona onde te encaixas como uma
esponja ensopada - água a mais.
- Vá lá dá cá uns jeitos. Agita-me os braços, solta-me as pernas,
enche-me este peito de músculos que tardaram a vir. Ajeita-me.
Tudo em ti reflete essa preguiça tardia. Vais correndo como a vida te
deixa correr. Quando não há vento que te valha esse arrastar demoroso pedes-me
a mim que te mova. Que te puxe, rasteja, empurre.
Tens essa ânsia de viver o futuro. De passares à frente como cavalo de
corrida, babado pela recompensa do primeiro lugar. Tens essa ânsia de ti. Uma
pressa demorada, a querer imitar os heróis defuntos que na glória se afundaram.
A tua expressão macilenta bem mostra aquilo que és. Estás acabado mas
preferes mentir aos espelhos e guardar esse teu passado vitorioso pela calada -
na cobardia do teu presente.
Alojas-te no futuro, na
segurança da promessa de uma eternidade jurada pelos teus sonhos de
pequeno. Aqueles sonhos que não eram
teus, de outros. Sempre te serviram, acomodavas-te com o fácil e nunca te
importaste de com o fácil obteres a razão. Ambições de gente arrogante eram
também as tuas ambições. Seguiste linhas retas e não te preocupaste em lhes dar
uns toques curvos, desajeitados- bonitos.
Agora olha para ti, enfrenta esse teu presente que tanto receias.
Mostra-te. Mostra-te a esse mundo que querias honrar, a essas pessoas a que
engraxavas o sapato e a inteligência. Decerto te louvarão pelo despacho com que
te sentas, pela forma como inchas ao repousares os teus belos feitos nesse
cadeirão, nessa amostra rasca de trono feita não por ti – por outro.
- Ajeita-me. Vá, que os anos que acarto travam-me a energia. Já não
consigo, mas tu consegues, fá-lo. As pessoas gostam de ver, vá.
Assentas. A sociedade fica-te bem, combina contigo. Nada fica mais assente
que não tu – esponja ensopada, inchada, flácida. Como em toda a vida - correste
ao sabor de nada, e esse teu insonso faz-te cansar. Cansar de ti e do teu
cobarde destino.
Ajeita-te.
Ajeita-te.
Sem comentários:
Enviar um comentário
"Escrever é uma maneira de falar sem ser interrompido"