“ (…) Ela tinha o dia mas faltava-lhe a noite, faltava-lhe a cegueira e a surdez. Queria o silêncio que a escuridão oferecia, no fundo desejava escapar à razão que tão claramente se via à luz do dia. O seu amor, esse, já vinha no fim e fora do prazo, entregaram-lho estagnado e naquele momento ela observava-o a apodrecer. De maneira que tinta e papel não lhe serviam, nem ressaltos de memórias, nem datas desencontradas. Só queria a solução, o princípio, a genialidade de alguém que a viesse salvar. Mas heróis não existem e Margarida nunca aprendeu a viver em contos de fadas. Só queria e lamentava um pano escuro a travar-lhe o caminho. De tanto querer ser, sentia-se um nada, um refúgio inconsolável.
Olhava para ela própria com desejos horríveis de desaparecer, é o que acontece quando vemos morrer o fogo outrora inestimável, e que hoje não passa de meros pedaços de madeira que já não querem arder.
(…)
A solução era, devia, esperava ser, ter mais lenha. Mas a olhar para o interior dos seus olhos, brilhantes e fugazes, sentia-se no fundo, o seu amor a estagnar e os armazenamentos a desaparecerem. Viu-se então a última chama, da última lasca de madeira que fazia a paixão ter vivacidade. A última brasa escapou, e depressa morreu ao sabor do gélido coração que tinha perdido a validade (…)”
Excerto do livro "O elogio da ausência" escrito por Sara Penas.
Excerto do livro "O elogio da ausência" escrito por Sara Penas.
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