“Hoje vi-te. Hoje estivemos quase juntos. Hoje voltei mais uma vez a
olhar-te, não de um jeito normal, mas daquele meu jeito. Hoje lembrei-te e
ontem também e anteontem e há um mês, há dois, três, quatro, até zero. Até
sempre, diria.
Hoje vi que me olhavas, assim de modo esguio como fazias sempre, e
fazes, ainda hoje. Como agora. E pensas que não me importo, mas eu importo, e
quero e preciso, e não devia e não gosto. Mas fazes e não te importas. Não
queres saber se umas vezes estás cá e outras nem por sombras, nem por ruas
sombrias e fúnebres, outras nem nunca. Que é mesmo um nunca.
Mas por qualquer razão, eu lembro-me de ti, lembro-me de ti nele. No
reflexo, no sorriso, no olhar, nele. Em tudo. Em tudo és tu. Em tudo estás tu.
Quando atirou as pedras à água no rio Tamisa, quando chorou por tu não
lá estares e mais uma hipótese da tua sobrevivência se ter desvanecido. Quando
brinco com os seus cabelos encaracolados ou quando tenho de ir com a mão ao
bolso pelo gelado que ele roubou ao senhor da gelataria. Quando me vejo aflita
para o por a tomar banho ou quando damos as nossas grandes viagens de comboio,
à tua procura, e ele com a cabeça sempre para fora do vidro, petrificado com
toda a beleza que também tu não imaginavas existir.
Quando custa, quando choro, quando me perco, quando endoideço, quando
me farto, quando tudo e mais uns quantos- Estás lá tu, ou ele, porque é igual e
eu não sei distinguir. Não sei diferenciar. E dói – saber que ando à procura de
uma coisa que eu já tenho, que sempre tive e que te tem a ti, mais do que eu já
tive.
- Fala-me de mim, de como achas que sou – Diz-me ele, orgulhoso de ser
quem é, do que faz e do que alcança.
E falar dele é falar de ti, falar de nós e da nossa história. Acabo a
ver-te, como te vi hoje, como te vejo sempre, como te lembro e sempre
lembrarei. Até sempre, digo eu. Até o que nos une partir.
Queria que desparecesses dele, mas não consigo, é impossível apagar de
um filho os traços deixados pelo pai, aqueles jeitos que em tudo são teus. Que
em tudo eu adoro.
Sempre, Margarida”